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Promoção da literacia digital num estabelecimento prisional feminino: o projeto e-pris

2016
ritabarros@fpce.up.pt
PhD em Educação. Investigadora integrada da RECI (Research Unit In Education and Community Intervention) e membro colaborador do CIIE (Centro de Investigação e Intervenção Educativas da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto).

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Promoção da literacia digital num estabelecimento prisional feminino: o projeto e-pris

Os pressupostos humanistas que sustentam o paradigma da Aprendizagem ao Longo da Vida colidem muitas vezes com realidades sociais em que as desigualdades se evidenciam, particularmente no que diz respeito à possibilidade de participação em atividades de aprendizagem em contextos não formais. A promoção do acesso a oportunidades de aprendizagem é um aspeto fundamental para a promoção do desenvolvimento económico e uma condição necessária para a coesão social.

Quando colocamos estas questões no feminino, as desigualdades tornam mais visíveis e, não obstante os esforços de muitos países, incluindo Portugal, para que os princípios democráticos que sustentam o exercício pleno da cidadania incluam também as mulheres, a realidade está ainda distante de um ideal de equidade. As mulheres que se encontram em situação de reclusão têm ainda menos oportunidades de participar em atividades de Aprendizagem ao Longo da Vida. A elas dedicamos uma atenção redobrada, considerando que se trata de uma população tendencialmente com baixas qualificações académicas e profissionais, cuja futura reintegração social e profissional se encontra ainda mais condicionada pela situação de reclusão em si mesma. A falta de competências no domínio das TIC apresenta-se como um obstáculo central na atual organização social em rede (Castells, 2009), pois é através das redes tecnológicas que se desenvolve a literacia digital, e esta torna-se essencial à promoção da capacidade de aprender a aprender. A formação em TIC joga aqui um papel central.

Foi com base nestas preocupações que concebemos o projeto e-pris, um projeto piloto de e-learning no contexto prisional português. Outros países europeus desenvolveram intervenções em contexto prisional para a promoção da inclusão digital, com recurso ao e-learning, e através deles foram antecipados obstáculos à implementação de projetos desta natureza, começando desde logo pela necessidade de garantia das questões de segurança, mas incluindo também dificuldades de ordem política, pedagógica, atitudinal e tecnológica (Barros & Monteiro, 2015). A oferta de oportunidades de formação com o recurso às TIC e através de sistemas de gestão de aprendizagem em contextos não formais, como é o caso do contexto prisional, afigurou-se uma opção promissora. Desta forma nasceu o projeto e-pris com o intuito de contribuir para o desenvolvimento de competências na utilização das TIC em mulheres em situação de reclusão, como forma de facilitar a futura reinserção no mercado de trabalho e antecipar dificuldades associadas a esse processo.  Desta forma, o projeto visa a incentivar de políticas centradas na igualdade de género, contribuindo para a diminuição de fatores de risco de exclusão social e laboral após o cumprimento da pena. Em concreto, o projeto integra uma oferta formativa que pretende ir ao encontro das necessidades das reclusas. Pretende incentivar o interesse pelas atividades formativas com recurso às TIC, numa lógica de aprendizagem ao longo da vida e prevê o desenvolvimento de competências pessoais e sociais, com acompanhamento dos esforços individuais em termos de aprendizagem e através do incentivo a dinâmicas de grupo, particularmente as desenvolvidas em ambiente virtual.

A conceção de um modelo de intervenção integrado e estruturado, suscetível de posterior replicação e exequível enquanto estratégia inovadora de reinserção social, foi outro dos objetivos do projeto. Efetivamente, o projeto-piloto permitiu o desenvolvimento de um ambiente online de aprendizagem inovador num estabelecimento prisional feminino português. O e-pris apresenta-se como um projeto transformador e integrado, pois, para além da questão de equidade de género na futura reinserção social e laboral das reclusas, um dos seus propósitos traduz-se no desenvolvimento de novas metodologias e ferramentas de intervenção.

A aprovação do projeto resultou da vontade política do Ministério da Justiça Português em incentivar projetos inovadores a implementar nos Estabelecimentos Prisionais. A sua concretização resultou da parceria do Instituto Piaget, entidade formadora e responsável pela apresentação do projeto, a Direção-Geral dos Serviços Prisionais e Reinserção e a Santa Casa da Misericórdia do Porto (Barros & Monteiro, 2015).

O projeto está a ser desenvolvido no Estabelecimento Prisional Feminino de Santa Cruz do Bispo e nele participam 10 reclusas. Tendo uma duração de dois anos, o e-pris integra um período de formação em regime de b-learning, com o recurso a uma Plataforma Virtual de Aprendizagem, para a qual foi construída uma solução técnica de garantia de segurança por parte de uma operadora de telecomunicações. A formação inclui um módulo de ambientação à plataforma virtual, módulos de informática básica e um módulo dedicado às questões da empregabilidade e empreendedorismo. Todo o processo de desenvolvimento do ambiente online de aprendizagem contou com a participação ativa das formandas, através do recurso a inquéritos via plataforma virtual e a focus group em momentos presenciais. O projeto encontra-se na última etapa de formação, mas a análise dos resultados preliminares permite-nos afirmar que o e-pris pode constitui-se como uma resposta à inclusão social e digital no modelo de organização social em rede.

O e-pris foi um dos projetos nomeados para o World Summit Information Society Stocktaking Project Prize 2015, tendo ficado registado no WSIS Stocktaking Report 2015  que “In Portugal, a remarkable project has been developed by the Instituto Piaget called E-learning in prison. It sustains the idea of ICT as a tool for adult education, and promotes social inclusion of risk groups such as prisoners by providing training based on distance learning through the use of a learning management platform. The main objective of this project is to analyse the importance that e-learning can play in the training of women prisoners, in order to allow empowerment and greater social and digital inclusion, and to contribute to the full social reintegration of the inmate population by creating an integrated and structured intervention model that is likely to spread, replicate and lend credibility to an innovative strategy” (p.123).

Este projecto possibilita vislumbrar a utilização das TIC noutros contextos de aprendizagem não formal e permite-nos, enquanto investigadoras e formadoras, experimentar soluções, avaliando a eficácia / eficiência do e-learning neste tipo de contexto populacional e de formação.

Os resultados preliminares reforçam a nossa convicção de que a educação online pode funcionar como uma opção integradora de indivíduos que se encontram em risco de exclusão social e profissional e constituir-se como uma alternativa às oportunidades de formação já existentes.

 

Barros, R. & Monteiro, A. (2015).  E-learning for Lifelong Learning of Female Inmates:The Epris Project. Proceedings of EDULEARN15 Conference, Barcelona, Spain. 

Castells, M. (2009). The Rise of the Network Society, The Information Age: Economy, Society and Culture, Vol. I. Malden, MA; Oxford, UK: Blackwell.

 

Nota:

O e-pris é um projeto de investigação da RECI (Research in Education and Community Intervention), a unidade de investigação do Instituto Piaget financiada pela FCT. O projeto tem como investigadoras responsáveis Angélica Monteiro e Rita Barros.

 

     

Rita Barros

Rita Barros é Professora Coordenadora do Instituto Piaget, sendo responsável pelas unidades curriculares da área científica da Psicologia. É Licenciada e Mestre em Psicologia (especialização em Psicologia e Saúde) pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Porto. Possui Diploma de Estudos Avançados em Desenvolvimento Pessoal e Intervenção Social pelo Departamento de Psicologia Evolutiva e da Educação da Universidade de Valência. É Doutorada em Ciências da Educação pela Faculdade de Ciências da Educação da Universidade de Santiago de Compostela. É Membro Efectivo da Ordem dos Psicólogos, com larga experiência profissional como psicóloga, quer em contexto hospitalar e de clínica privada, quer ao nível da intervenção comunitária. É investigadora integrada da RECI (Research Unit In Education and Community Intervention) e membro colaborador do CIIE (Centro de Investigação e Intervenção Educativas da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto).

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