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Orfanato da inferioridade

2018
pvpassos@gmail.com
Psicólogos clínicos

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Orfanato da inferioridade

"Uma gralha vestida de pavão não é reconhecida

nem pelas gralhas nem pelos pavões."

Esopo, 621-564 a. C.

 

"(...) A filosofia não desempenha apenas o papel de garantia da racionalidade da história; também desempenha um papel teórico fundamental: necessidade de uma teoria abstracta em toda a ciência (...).

A que corresponde essa teoria abstracta? O importante ... nesse processo do entendimento científico é que o essencial seja distinguido e separado daquilo que se chama insignificante ... voltar-se para o que é realmente essencial.
Esta teoria abstracta é frequentemente tomada como um elemento a priori e estranho ao conteúdo empírico das ciências.(...)". (Louis Althusser).

"(...) Kepler ... devia a priori conhecer as elipses, os cubos, os quadrados e as ideias das suas relações, antes mesmo de descobrir, de acordo com dados empíricos, as suas leis imortais que consistem nas determinações dessas esferas de representações.  Sem essa teoria absctrata, ou seja, sem o conhecimento dos princípios da esfera, ou seja, da região da objectividade visada pela ciência, Kepler poderia ter estudado o céu pelo tempo que quisesse, e não teria descoberto as suas leis (...)." (Louis Althusser).

Apriorismo, é o saber estar, exacta e intrinsecamente (e prévia aos conteúdos de rigor), nos contextos e nas relações entre os propósitos, determinismos e consistências, aquém e além de qualquer jeitinho fácil, opinião ou boa vontade ... ou (tão comum!) ruinosa idiossincrática frustração causada pela menoridade ...!!! É o posicionamento onde não é preciso enfeitar ...!!!

Há coisas e há coisas maquilhadas …!!!

Actualmente uma "faculdade" é todo o estabelecimento de ensino que não seja anterior ao ensino secundário. Do ensino secundário exclui-se, faça-se justiça, o regime das novas oportunidades. Este sim, com os mesmos direitos de académicos designatórios, merece o respeito inerente e, assenta bem dizer-se que “…vou para a faculdade comprar o 12º ano …” em vez de “…vou para as novas oportunidades fazer macramé…”.

O aproveitamento, de quase tudo o que é ensino pós-secundário, ter passado à designação de licenciatura (umas, verdade, justa ou injustamente, outras, mentira!), certamente com muitos duvidosos critérios, dizem as más-línguas, foi de tal modo abrangente que “licenciatura” (já íntima de curso técnico/profissional) passou a ser sinónimo de doutor ou doutora.

 

De bom e justo tom (felizmente), salvaguardar os honrados e genuínos licenciados em Arquitectura ou Engenharia, que jamais lhes passou por qualquer neurónio motivacional serem designados de outro modo a não ser de “arquitecto ou engenheiro”.

Contudo, saliente-se que, o "Manel" e a "Maria", continuam a ser o mais nobre, insuspeito e irrepreensível trato. 

Foi um proliferar de "faculdades" e "universidades", por esse país afora, encontrando-se, num registo geográfico, "universidades" em variadíssimos locais. Só a título de exemplo, apontam-se a universidade de Mesão Frio, a universidade de Mértola, a universidade de Campo Maior, a universidade de S. Brás de Alportel, a universidade de Castro d`Aire e por aí adiante. Para os interessados numa completa listagem, podem dirigir-se a qualquer centro comercial e perguntar às moças que nos querem ver as mãos (mas não é para lerem a sina), em que "faculdade" andaram e, assim, vão completando a lista, indo perguntando a estes licenciados/diplomados onde estudaram.

Tudo anda, ou andou, numa "faculdade" qualquer. É uma questão de sobrevivência. Até o pequeno dos desportos radicais diz, que andou na "faculdade" em Rio Maior.

A pequena, que sempre carregou, e bem, no botão para activar o mecanismo radiográfico, para o povo fazer as chapas (ou raio-x), agora também tem uma licenciatura porque andou numa escola que chamou de "faculdade". Não mudou de trabalho nem de funções, mudou só de grau, porque na escola (isenta de culpas, certamente, diz-se!) que frequentou, houve a libertinagem de se auto-intitular "faculdade". Aliás, tal como a rapaziada que esfrega os ossos dos desvalidos com dores ...!!! São os doutores das massagens, como as pedicures/manicures e gentes das dietas também o são, no seu respectivo ramo.

Há já quem se tenha formado em manutenção de campos de golfe, com o devido rigor, apreciado e validado por hostes experimentadas na construção de planos curriculares. Destes não há a certeza se foi em regime de licenciatura ou de mestrado.

A criatura que sempre segurou (tão bem) o aspirador que suga a saliva da boca das pessoas (ali escancaradas e silenciosamente (exceptuando os fanhosos "nha-nha" que se vão libertando, consoante as dores, medo ou incómodo) de bocarra aberta) para o dentista poder trabalhar, também passou a doutora. O mesmo com a rapaziada das análises laboratoriais, técnicos de diagnóstico e ... qualquer coisa mais!

Catequistas ... mesmo cenário! Qualquer alma que tenha andado sempre enfiada numa igreja e paróquia, num automático processo de equivalência, também passou, divinalmente, a ser portadora, de direito, do tão desejado título. Aqui, a "faculdade" tanto pode estar localizada nas traseiras do adro da igreja, como em qualquer sala de costura de uma qualquer dedicada paroquiana, ainda não beatificada, mas acredita-se merecedora.

Quem tiver a chave do armário das vassouras e dos panos de pó, também é titular, porque tem a responsabilidade de tomar conta da chave, desses bens tão preciosamente antagónicos ao esterco que de nós sai.

Por falar nisto ... e em ode a quem costuma ter as chaves dos armários deste género de materiais (e outros bens a distribuir!) ... que tanto sofrem na mendiga exibição do tão aspirado título ... merecem, indubitavelmente, uma alusão.

Seria uma falha grave, e injusta, não aludir ao merecido empenho, ao longo dos tempos, das senhoras da assistência social, continuando o louvável trabalho de entretenimento e de ocupação dos tempos livres (em regime de voluntariado, mas com hierarquias), em nome de um apoio que chamaram de “moral”, dado pelo movimento nacional feminino, durante a guerra colonial portuguesa. As senhoras, ou meninas, consoante a idade e os anos de serviço, que muitas vezes não coincidem, também fizeram os telefonemas, também iam esperar os necessitados e indicavam-lhes os percursos, também distribuíam roupas, alimentos e medicamentos, davam um conforto aos de rua, com uma conversa sobre paciência e um aconchego com a sua presença, repreendiam os gastos excessivos pela parte dos necessitados, do que ofertado por tão nobres corações da sociedade. Nunca exigiram nada, estas santas. Nem títulos, nem vencimentos, nem condecorações.

A porca torce o rabo, no concernente às pequenas da assistência, quando as referências e as pertenças não se movimentam em sobreposição. Ora, muitas destas senhoras não estavam satisfeitas com tanta injustiça que, nos últimos anos, estavam a acontecer. Então tudo vinha de uma "faculdade" (eram as enfermeiras, eram as moças dos laboratórios, os contabilistas, as ascensoristas credenciadas, costureiras com mais de 10 anos de nobre serviço à agulha (desde que fizessem uma formação de 50 horas, num centro formativo do Estado, mas gerido pela filha mais velha (que é decoradora), de um qualquer secretário de Estado, ministro ou afim!); e elas (as meninas da assistência) com história de louvores e de presença associativa (sim porque não há nenhuma associação que se preze que não tenha uma senhora da assistência (vulgo assistente social)), não teriam direito a um titulozito mais pomposo do que apenas “as meninas da assistência”?

Vai de se criar uma comissão de estudo para definir critérios. Escusado será dizer que, o que surgiu dessa comissão foi um tratado de tudo o que era conveniente para cumprir os fins. Os sentimentos de injustiça deram lugar aos de revolta e não é que, num tempo record, auto-intitularam-se doutamente de “doutoras”. Facto que ainda hoje se verifica e, de modo já tão enraizado, que não restam alternativas, nem justas nem injustas. Agora são doutoras, pronto! Mudaram de funções ou de conhecimento? Isso não interessa. Só interessa o que está contemplado nos critérios definidos e aprovados na associação das moças da assistência.

Vai-se passar o mesmo com os pequenos das andanças do futebol. És jogador? Então andaste numa "faculdade". E o que é válido para os jogadores é válido para os bem-falantes treinadores, os pequenos que marcam as linhas do campo, a pequena dos gelados e, imperdível, a moça da bilheteira.

As escolas profissionais, com requisitos mínimos do 9º ano completo, são as que estão a dar o grau de bacharel, em várias áreas.

Perdoem se há algum esquecimento, de algum grupo profissional enquadrado nestes movimentos “ascendentes”, mas a intenção nunca por aí se referenciou.

Saliente devido é o que justifica que academismo (titular, sub-titular, para-titular, ou outra coisa qualquer) e conhecimento não são gémeos nem vizinhos e, jamais, se deverão tratar por tu. São, em jeito sócio-decorativo, um eventual divertido passatempo, quando não, alvo de uma justa ridicularização ou, pior, de um colosso desprezo...!!!

É um manto negro académico que se pairou sobre o pobre país, já escuro de alma, em si.

Se é para estar tudo na mesma panela, porque não ser tudo uma grande corja de “bichas mariconças” (com íntegro respeito e consideração)? Só difere o valor social (o que não se entende!), mas mantém-se o princípio. Basta continuar a travestir conceitos e modelos!

Há os academismos e os enfeites de inerência inclusos ao “ensino”, mas ensino superior e ensino superior universitário não são sinónimos e nenhum deles é melhor ou pior que o outro (ou outros!). Que se promova e legisle (no desenvolvimento) a consonância entre a pertença e a referência para todos (na sua naturalidade), cultivando o respeito genuíno, não clonado.

Infeliz travestismo sócio-profissional, que tanto podre e angústia traduzes…!

Muito esquecido está o elogio da diferença e da diversidade ...!!!

Vale, re-citar:

"Uma gralha vestida de pavão não é reconhecida nem pelas gralhas nem pelos pavões." - Esopo, 621-564 a. C.

 

 Eis ...!!!